“É impossível pensar que vamos fazer algo se não tivermos um plano de negócios sustentável e isto não vem por dinheiro gratuito” – Tim Vieira
Tim Vieira tornou-se uma face conhecida dos portugueses desde a sua participação no programa de televisão Shark Tank. Ao FatorC contou-nos como o desejo de adquirir uma raquete de ténis se tornou um momento marcante na sua vida e o ponto de partida para uma vida de sucesso que teve início aos seus 12 anos, na África do Sul.
FatorC – Empreendedor, empresário, “tubarão”, que palavra considera que melhor o descreve?
Tim Vieira – Acho que sou um pessoa humana, normal, uma pessoa que tem uma família espetacular e amigos que gosta muito, uns cães que gosto muito de passear, mas normal. Acho que nada de muito diferente das outras pessoas, diria que gosto de fazer sucesso em projetos giros e, se calhar, um empreendedor sénior mas com os pés assentes no chão.
FatorC – A sua atividade começou quando tinha 12 anos, na África do Sul. Que projetos/negócios desenvolveu?
Tim Vieira – Comecei a desenvolver um projeto sem saber que o estava a fazer, não pensei que de um momento para o outro queria ser empreendedor. Queria começar a fazer algum dinheiro para comprar uma raquete de ténis e os meus pais não tinham dinheiro, então tive que fazer um plano para conseguir a raquete. As melhores coisas da vida acontecem quando temos que fazer um plano e ser criativos para que elas aconteçam.
Lembro-me de fazer cadeiras de madeira com as molas da roupa que uma vez vi num programa de televisão. Então partia as molas e colava-as para fazer uma cadeira, levava à volta de 20 minutos para fazer uma e depois vendia às pessoas amigas que já me compravam às duas e três só para ajudar. Tudo isto porque queria comprar a raquete de ténis.
Comecei a perceber que para as coisas acontecerem tínhamos que ser nós a lutar para que acontecessem. Como correu bem, tive a consciência que dai para a frente sempre que quisesse algo maior, o projeto também tinha que ser maior.
[As melhores coisas da vida acontecem quando temos que fazer um plano e ser criativos para que elas aconteçam]
Também tive uns pais que nunca me disseram que não conseguia ou que as minhas ideias eram estúpidas. Por vezes as ideias eram estúpidas mas eles deixavam-me experimentar e o cliché que utilizamos de aprender com o erro acontecia sem que os meus pais me apontassem o dedo. Isso foi muito bom.
Tive ainda um momento muito bom na vida que foi o meu avô. Não era uma pessoa de negócios mas um empreendedor de pessoas, na maneira como mantinha os amigos e tratou da família, o que foi um exemplo espetacular.
Comecei cedo por que teve que ser assim, às vezes pensamos que queremos dar tudo do melhor aos filhos e acabamos por retirar o melhor deles que é prepará-los para fazerem as coisas acontecer. Quando damos já não precisam fazer e ficam mais habituados a receber o que não é bom. Sabemos que dar é melhor que receber mas estragamos as nossas crianças porque damos de mais. Dar não é amor, às vezes é pior.
FatorC – Qual foi o negócio que o projetou para o sucesso?
Tim Vieira – Um dos negócios que fez perceber como funcionam os negócios, que me obrigou a lutar, a acordar cedo de manhã e a dormir a pensar no negócio, aconteceu por volta dos 14 anos quando comecei a vender fruta na rua.
Percebi que a África do Sul estava num período de mudança e houve a oportunidade de ir vender para uma zona onde não havia lojas a vender fruta. Comecei a empregar pessoas nesses locais para vender a fruta. Eu fazia lucro na venda da fruta a essas pessoas e eles faziam também o seu lucro ao vendê-las a terceiros. O negócio começou a ficar enorme e de uma carrinha inicial passei a ter dois camiões. Fazia isto antes de ir para a escola. Lembro-me de acordar bem cedo às 04h00 da manhã e começar a pensar em ir buscar fruta.
Foi também muito bom envolver-me no mass market, sem recurso a tecnologias mas à base do suor e do cash flow, com a preocupação de comprar bem para vender bem. Apercebi-me também que ter as pessoas certas à minha volta foi muito importante.
Este foi um negócio no qual percebi que ter sucesso implica muito trabalho e muitas noites sem dormir mas, ao mesmo tempo, é, se calhar, a melhor experiência que podemos ter na vida: quando o poder está nas nossas mãos e temos o feeling que podemos melhorar as coisas.
Nunca tive apoio além dos meus pais. Nunca houve um apoio de capital, de fund raising, crow funding, coisas que agora existem e que podemos usar. Comigo foi ter 10€ para comprar fruta e vender por 15€ e, no dia a seguir, comprar 15€ e vender por 25€. Tive que aprender por baixo…
FatorC – A decisão de entrada no mercado Português em 2008 (período de crise) foi estratégica?
Tim Vieira – A decisão surgiu porque estava a passar tempo cá e olhei para as coisas más que apontavam como coisas boas. Portugal tem pessoas capazes e as coisas haviam de virar. O que entendi é que nós temos que preparar-nos durante os períodos de crise porque chegará um momento de viragem, para melhor ou para pior… Vi que haveria esse momento de viragem e a oportunidade surgiu numa área que não estava à espera, a agricultura.
Desde 2008 que desenvolvo este projeto e, ainda agora, em janeiro investimos em mais 2 hectares. Foi um projeto que apostamos em tempo de crise, mas havia o necessário para investir: o sol e a água. O mercado é que era lá fora. Acreditei e por isso comprei alguns terrenos para cultivar framboesas e mirtilos. Temos à volta de 40 hectares e começamos com 2 hectares. Este projeto serviu também para provar que conseguimos fazer coisas boas e ter sucesso em coisas que vemos crescer e que, no fim, ainda conseguimos tirar de uma árvore e comer.
[A ideia era ter tantos cartazes a dizer que não estava à venda para começar a gerar impacto positivo]
Durante a crise investi mais em tentar mudar mentalidade do que em negócios. Passava muito tempo a ouvir o que existia de negativo mas, depois mostrava o que havia de positivo. Mesmo na crise estávamos melhor que 95% do mundo. É estranho mas é verdade. Temos tanto média e as coisas positivas têm tão pouco tempo de antena comparado com as coisas negativas que é fácil ficarmos negativos.
Mas é verdade que diziam que estava tudo à venda, mas não estava. Pensei eu lançar uma campanha para vender cartazes para serem colocados nas casas a dizer: “não está à venda”. A ideia era ter tantos cartazes a dizer que não estava à venda para começar a gerar impacto positivo.
FatorC – Que negócios tem atualmente?
Tim Vieira – Invisto muito em startups, mentoring e para ajudar as coisas a crescer. Mas vejo que as pessoas já estão mais capacitadas, que não precisam tanto de apoios. Estão a conseguir fazer a sua história. Agora tento ajudar as pessoas a ter sucesso porque o sucesso cria sucesso, o todos ficam a ganhar.
Invisto em propriedade, energia, projetos de educação, uma área que considero com muito potencial, porque o futuro são os jovens. Hoje achamos que a juventude está perdida, que vão ter uma vida difícil e vejo aqui uma oportunidade desafiante. Fazer os jovens perceber que as soft skill são muito importantes e não só o social media que eles conhecem.
Mas estou mais interessado em projetos que considero giros, diferentes e que podem trazer mudança. Fizemos agora um filme sobre tráfico de seres humanos, com a Rita Blanco, o Vitor Norte, Miguel Borges e com a estreia da Sara Sampaio. Depois do filme a Sara já começou a pensar em fazer uma fundação para apoiar vitimas de tráfico humano, o que já é uma coisa positiva. Vamos também apostar em curta metragens: ajudar pessoas a realizá-las e tornar este apoio num festival. Aqui o meu business plan é saber o prazer que vou retirar daqui e quantas pessoas vou conhecer.
FatorC – Já ponderou candidatar-se ao SI2E e desenvolver um projeto em Alcabideche ou São Domingos de Rana?
Tim Vieira – Acho que sim, com o lado da educação para os jovens. Acredito com que com este projeto podemos fazer a diferença. Se fizer a uma criança já é muito bom, mas vamos tentar fazer a 100. Poder empregar pessoas e mudar vidas, será um win-win. Queremos um projeto que seja executável, com pessoas sérias e gerar sucesso.
FatorC – Se recorresse a financiamento para um negócio que condições de financiamento teriam de ser asseguradas para se candidatar?
Tim Vieira – Acho que é bom que sejam estáveis. Mas acho muito importante que, no caso de ganharmos uma candidatura, se cumpra com aquilo que nos comprometemos a entregar (objetivos). Entregar é o mais importante.
[É impossível pensar que vamos fazer algo se não tivermos um plano de negócios sustentável e isto não vem por dinheiro gratuito]
Acho que se consideramos como aspeto mais importante não ser necessário devolver dinheiro já é um mau princípio. O mais importante é ter um projeto sustentável que gere dinheiro para pagar aos recursos humanos, pois todos têm que ser pagos pelo seu trabalho, tempo e criatividade, Se recorremos a voluntariado já temos um problema.
É impossível pensar que vamos fazer algo se não tivermos um plano de negócios sustentável e isto não vem por dinheiro gratuito. Este dinheiro pode vir por 6 meses mas o projeto não tem só 6 meses. O mais importante é ter as regras definidas, saber os timmings dos apoios e dos resultados. Às vezes ficar à espera 3, 4 meses pode inviabilizar o projeto e a paixão das pessoas pelo projeto. Mais que o dinheiro acho isto importante.
FatorC – Em Portugal a sua presença não passou despercebida e foi convidado para o programa de televisão Shark Tank. Como surgiu esse convite?
Tim Vieira – Foi um convite de um amigo. Nunca fui pessoa de dar entrevista nem de estar presente nos media. Estava num período de vida em que não estava tão dedicado aos negócios mas sim à família e a viajar. Surgiu num tempo certo e decidi aceitar. Foi uma experiência positiva.
FatorC – Continua a apoiar empreendedores com ideias de negócios ou essa realidade foi só durante a participação no Shark Tank?
Tim Viera – Sim, e acho que até morrer vou continuar. Agora com a minha família vou apoiar para o resto da vida e muito desses negócios tenho que estar presente quase desde o início. Mas não se pode apoiar tudo, temos que ver que há projetos que não resultam. Mas alguns já estão a ter sucesso.
Tento não apoiar todos os projetos porque também tenho uma equipa limitada e também eu estou limitado. Apoio projetos que considero diferentes, interessantes e que consigo ser logo uma mais valia.
Não estou ativamente à procura e alguns não apoio mas dou ajuda, abrindo portas. Vamos ter um Tim’s Garage com pitch de empreendedores que procuram encontrar clientes para os seus projetos. Considero que o abrir portas às vezes é mais importante que o dinheiro.
FatorC – Sentiu que o mediatismo proveniente da sua participação o ajudou em futuros negócios?
Tim Vieira – Sim, é óbvio, quando se chega a alguém já nos conhecem. A televisão dá algum crédito e não sou só eu quem vê isto, temos um presidente nos Estados Unidos que já viu isso. Para mim obviamente que abre portas. Tudo isto é networking mas também traz consigo muita responsabilidade, porque tenho que agir bem para não estragar a minha imagem nem a das empresas nas quais estou envolvido. É uma faca de dois gumes.
FatorC – Como vê o empreendedorismo em Portugal? É fácil implementar um negócio?
Tim Viera – Fácil não é, vou ser honesto. O empreendedorismo e Portugal não é fácil. Começamos a pagar IVA e impostos ainda antes de sermos lucrativos. É muito duro. Há os incentivos mas também têm regras que, por vezes, nos forçam a fazer coisas que não eram necessárias para obter o incentivo. Acho que não é fácil, mas ao mesmo tempo não é o pior do mundo: o que é positivo.
[Os nossos empreendedores em patamares mais alto estão a ter sucesso, a competir com o resto do mundo e a exportar. Este sucesso é por causa de empreendedores que pensam de forma global]
Acho que está a melhorar e as pessoas que tentam e que corre mal já não são colocadas de lado, o que é bom. Acho que está a melhorar porque estamos a ter muito muitos estrangeiros e networking a vir para Portugal e portas a abrir no estrangeiro. Há dinheiro a entrar no ecossistema português que, apesar de pequeno, está a evoluir. Estamos melhor agora do que há dois, três anos atrás.
Para melhorar temos que tomar algumas decisões mais drásticas, como dar tempo para as empresas respirarem e evoluírem, menos papel e mais confiança para as empresas pequenas. Estas empresas que agora são pequenas amanhã tornam-se médias. São o futuro do país para a empregabilidade e para manter os portugueses por cá.
Portugal tem muitas vantagens e temos que jogar com elas, não podemos é jogar de perna atada. Os nossos empreendedores em patamares mais alto estão a ter sucesso, a competir com o resto do mundo e a exportar. Este sucesso é por causa de empreendedores que pensam de forma global.
Estes já conseguiram e agora temos que olhar para os que estão a começar, tornando os processos mais fáceis, com menos papelada e menos pagamentos fiscais. São estes o futuro e têm que crescer.
FatorC – Já recorreu a fundos provenientes da União Europeia para implementar algum dos seus negócios?
Tim Vieira – Recorremos a um fundo uma vez na agricultura e correu bem. Tentamos uma segunda vez mas a decisão ainda não saiu. Mas estamos a desenvolver o negócio na mesma, adquirimos mais 8 hectares. Se o dinheiro entrar, entra. Agora, obviamente que no nosso plano de negócios estava contemplado mas não podemos ficar a chorar se ainda não recebemos o dinheiro.
FatorC – Que caraterísticas considera imprescindíveis para um empreendedor?
Tim Vieira – Uma delas é ser positivo, quem não for não vai conseguir ser empreendedor. Vai ter tanta gente negativa à sua volta que se não conseguir ser inspirador e fazer as pessoas acreditar vai ser muito difícil. Tem que ser honesto, com expetativas executáveis e saber fazer acontecer.
Tem que ser alguém que pense no big picture e não apenas no dinheiro.
FatorC – Que conselho deixa para quem se quer tornar empreendedor?
Tim Vieira – Ter que saber desculpar e andar para a frente. Não ficar parado com os problemas, o que pode tirar o potencial futuro. Levar as coisas a sério e, se tiver fundos de apoio, deve fazer acontecer os objetivos a que se propôs, sendo responsável por essa decisão. Ter a responsabilidade de receber dinheiro, quando outros não receberam é muito sério. Até sugiro que quando corre bem dêem mais dinheiro a estas pessoas: faça mais.
FatorC – Qual o seu lema de vida?
Tim Viera – Olhar para a frente e não ter ressentimentos. Aprender e avançar para a próxima.